terça-feira, 30 de março de 2010

Brasil X EUA - Algodão

Neste mês de março, os jornais vêm veiculando a decisão brasileira de retaliar comercialmente os EUA, aumentando a tarifa de importação de diversos produtos estadunidenses em resposta aos subsídios, considerados ilegais pela OMC, concedidos por este país aos seus produtores de algodão.

Esta questão remonta a 2002, e me é muito familiar, pois participei da audiência entre Brasil e EUA concernente à Arbitragem prevista pelo art. 22.6 do Entendimento de Solução de Controvérsias (ESC) da OMC para decidir o valor destas retaliações, quando da minha estada na Missão Permanente do Brasil junto à OMC em Genebra.

Em 2002, o Brasil solicitou consultas junto aos EUA questionando alguns programas de subsídios concedidos por este país à produção e à exportação de algodão no período de 1999 a 2002.

Não sendo frutíferas as consultas, o Brasil decidiu iniciar contencioso, solicitando a abertura de um Painel para decidir a questão. Seguido às conclusões do Painel, houve nova análise do caso pelo Órgão de Apelação (OA), que em Relatório circulado às Partes em 21 de março de 2005 condenou amplamente os norte-americanos, além de estabelecer que os subsídios deveriam se adequar às normas OMC o mais rapidamente possível (julho para os subsídios proibidos e setembro para os subsídios acionáveis).

Entretanto, transcorrido cerca de um ano do prazo estabelecido para que os EUA cumprissem as determinações do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC), estas ainda não estavam amplamente satisfeitas. Diante disso, o Brasil resolveu então em 18 de agosto de 2006 solicitar a formação de um Painel de Revisão (artigo 21.5 do ESC) para decidir de maneira oficial se os EUA estavam cumprindo a determinação do OSC de maneira adequada ou não.

Novo Painel foi formado e conseqüente Apelo foi analisado pelo OA, que em 02 de junho de 2008 opinou em pela falta de adequação das medidas estadunidenses, i.e., os Estados Unidos não estavam cumprindo de maneira correta as determinações estabelecidas pelo OA em 2005.

Sendo assim, já que os EUA não cumpriam com as decisões, outra alternativa não restava ao Brasil, senão retaliar. Mas qual seria o valor da retaliação, e sobre quais setores ela recairia? Nesse sentido que no dia 1º de outubro de 2008, o Brasil então entrou com pedido de arbitragem (art. 22.6 do ESC) para se decidir corretamente o valor da retaliação que deveria aplicar aos Estados Unidos pela não implementação das determinações do OSC (na verdade foram dois pedidos diferentes que andaram em paralelo, um concernente aos subsídios proibidos, e outro concernente aos subsídios acionáveis).

A audiência desta arbitragem ocorreu no dia 09 de março de 2009, da qual tive a honra de participar. Após análise, os árbitros circularam sua decisão em 31 de agosto de 2009, em que permitiram o Brasil a aumentar a tarifa de importação de diversos produtos podendo essa majoração atingir um nível global de até U$ 830 milhões aproximadamente.

Além disso, a arbitragem autorizou o governo brasileiro a utilizar a instituto das retaliações cruzadas, o que significa aumentar a tarifa de importação de produtos presentes em outros setores da economia, como serviços e propriedade intelectual. Essa autorização de retaliação cruzada é muito importante, pois o lobby dos produtores de algodão no congresso estadunidense é muito forte, e aumentar a tarifa de importação sobre outros bens causaria efeito prático quase nenhum. Com a possibilidade de retaliação cruzada, o Brasil pode agora aumentar a tarifa de importação em propriedade intelectual por exemplo, que tem um lobby se não igual, maior que o do algodão no congresso, e dessa maneira, ao ser esse setor afetado, trabalhará para que não sofra com maiores dificuldades no mercado brasileiro por causa do setor de algodão. A idéia é atingir um setor tão forte quanto o 'causador do problema' para assim conseguir efetivamente que os subsídios concedidos ao setor de algodão sejam retirados.

É por isso que o governo brasileiro decidiu proceder nessa retaliação em duas fases: a primeira atingindo um valor global de aproximadamente U$ 560 milhões englobando cerca de 100 diferentes bens, incluindo desde artigos de uso pessoal, como escovas de dente, xampus e batons, até produtos de linha branca, como freezers e fogões, em tarifas que variam de 12% a 100%, e que devem entrar em vigor no início de abril.

Os outros US$ 269 milhões foram reservados pelo Ministério da Indústria e Comércio, que estuda aplicar esse montante na área de propriedade intelectual, sobretudo em quebra de patentes.

Segundo o Itamaraty, o Brasil ainda está aberto a um acordo com os norte-americanos que evite as retaliações. O objetivo não é retaliar, não é distorcer o comércio em um setor que se encontra equilibrado, mas sim fazer com que o desequilíbrio no setor algodoeiro cesse. E é exatamente por isso que essa retaliação em duas fases foi tentada. Veremos se após essa retaliação inicial, conseguimos fazer os EUA a retirar seus subsídios ilegais, fazendo com que o setor algodoeiro brasileiro não tenha uma concorrência desleal.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Fórum Urbano Mundial


O Fórum Urbano Mundial é um evento do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos UN-HABITAT, que se realiza a cada dois anos em diferentes locais do mundo e que busca criar um ambiente de discussão e análise entre os setores públicos e privados, Sociedade Civil, ONGs, Profissionais e Acadêmicos sobre desafios urbanos chaves que o mundo enfrenta atualmente.

A 5ª edição deste evento está se realizando pela primeira vez na América Latina, na cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente no Píer Mauá entre os dias 22 e 26 de março de 2010. O tema deste Fórum é: O Direito à Cidade: Unindo o Urbano Dividido.

Muitos seminários, apresentações, debates, mesas-redondas sobre a temática estão previstos para os dias do Fórum. A prórpia Assessoria de Cooperação Internacional do Estado do RJ (da qual eu faço parte :D organizou dois eventos: um sobre a 'Sustentabilidade dos Recursos de Água e Energia nas Grandes Cidades' com a particpação da Secretaria de Meio-Ambiente do Estado do RJ e a General Eletric - GE; e outro sobre a 'Avaliação de Resultados e Impacto dos Arranjos Produtivos Locais - APLs no Desenvolvimento Sustentável Local' com a participação de representantes do BID, BNDES e da COPPE/UFRJ.

Desde sexta-feira estou praticamente morando no Píer Mauá pra ajudar na realização do Fórum. Muito trabalho mesmo pra fazer, mas ver que o evento está ococrrendo na melhor maniera possível, e ajudar na realização desse objetivo é recompensador.

Recomendo fortemente a participação de todos que tenham interessa nessa temática urbana. O fórum vai até sexta-feira, dia 26, e o credenciamento funciona até quinta-feira. Qualquer problema de credenciamento, é so me procurar, o "Bruno da ONU" :D

sábado, 6 de março de 2010

PIIGS

Recém findo o reinado de Momo, alguns ainda tentam se recuperar dos excessos cometidos e da falta de preocupação com o futuro, querendo aproveitar vividamente o presente. Passando esse diagnóstico do plano pessoal para o plano internacional, tudo indica que alguns países europeus se encaixariam perfeitamente nesse perfil, os chamados PIIGS.

Depois do sucesso do acrônimo BRIC – que designa as principais e mais promissoras economias emergentes: Brasil, Rússia, Índia e China, e que foi formado em alusão à palavra inglesa brick (tijolo) de modo a passar uma idéia de solidez –, novos acrônimos foram surgindo em analogia. O acrônimo que está em maior evidência no momento é o PIIGS – que designa os países europeus que estão apresentando grandes problemas econômicos e financeiros, colocando até mesmo em risco a moeda única européia, o euro. Ele serve para designar Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha (Spain), e foi formado em relação à palavra inglesa pigs (porcos) de modo a passar uma idéia de relaxamento, falta de 'limpeza', de retidão.

A grande preocupação com esses países deve-se ao fato de que seus problemas financeiros e econômicos não são apenas problemáticos para seus governos e população, mas por fazerem parte do sistema monetário único europeu, com a adoção de uma moeda comum, o euro, problemas nacionais podem acabar se espalhando e colocando em risco o próprio sistema monetário comum e ruir com a união econômica.

Foi nesse sentido que em 1992, os países da EU, para evitar possíveis desestabilizações macroeconômicas internas que inviabilizassem a adoção da moeda comum, estabeleceram os Critérios de Convergência dispostos pelo Tratado de Maastricht: inflação com teto máximo de 1,5%; déficit público com teto máximo de 3% em relação ao PIB; taxa de juro não superior a 2% da taxa dos três países com as menores taxas de inflação da zona do euro.

Acontece que os PIIGS relaxaram durante esta década (carnaval longo esse, não?) e desrespeitaram todos os limites estabelecidos pelos critérios de convergência, chegando o déficit público grego a atingir 12,6% do PIB, quatro vezes mais do que o permitido.

Déficits elevados e inflação alta sem a possibilidade de desvalorização da moeda nacional (já que a moeda não é mais nacional) podem levar a situação de insolvência, com países impossibilitados de pagar suas dívidas. Nesse caso, devido a existência de uma política monetária única, os remédios a serem adotados para salvar um país acabaram afetando todos os demais, espalhando a recessão e a crise e colocando em risco a existência do regime comum.

A EU exigiu a adoção de ajustes rigorosíssimos por parte desses países e indiretamente deu a entender que poderá dar garantias para que esses países não cheguem à situação de insolvência, o que acabou por acalmar os mercados momentaneamente. Veremos até quando..